O que existia no século XVI:
Documentários escritos sobre a
terra e o povo por Anchieta, Nóbrega,
Lery, Hans Staden, dentre outros, além das cartas jesuítas, detalham as
provisões, nativas e aclimatadas, descrevendo como a despensa portuguesa
começou a se abrasileirar – são descrições genéricas, impessoais.
(...) Os
padres eram recebidos festivamente com jantares, bailes típicos, procissões,
etc; entretanto, as cartas não descrevem iguarias, mas relacionam a
matéria-prima do abastecimento alimentar brasileiro, de Pernambuco a São Paulo,
litoral e interior, justamente a região povoada, com engenhos de açúcar,
habitada pela nascente aristocracia rural, com os escravos indígenas e
africanos.
A Bahia “é
terra farta de mantimentos, carnes de vaca, porco, galinhas, ovelhas e outras
criações”. .
“A terra
tem muitas frutas, ananazes, pacobas e todo o ano há frutas nos refeitórios...
Legumes não faltam, da terra e de Portugal; berinjelas, alfaces, couves e
outros legumes e hortaliça”. Sobre o Colégio dos Jesuítas “(...)
sustentam-se bem de mantimentos, carne e pescados da terra; nunca falta um
copinho de vinho de Portugal (...)”
Descrevendo
uma visita dos padres a uma aldeia do Espírito Santo, diz que os hospeda “um
homem rico, com todas as aves e caças e outras muitas iguarias, e ele mesmo
servia a mesa. Os indígenas oferecem na aldeia patos, galinhas, leitões,
farinha, beijus com algumas raízes e legumes da terra”.
Em Camamu:
“ A enseada traz muitos pescados e peixes-boi; os lagostins, ostras e mariscos
não têm conta”. Ilhéus “é terra
abastada de mantimentos, criações de vacas, porcos, galinhas. Laranjeiras,
limoeiros, coqueirais pela praia”.
Em Porto
Seguro “uma índia cheia de queijadinhas d´açúcar. Vacas, porcos, peixes,
lagostins, mariscos, aves, perus legumes, frutas,vinhos feitos de várias
frutas, leite, requeijão, natas, manjar branco, cajus.”
A horta dos
jesuítas em Pernambuco “tinha maracujá, romãs, figueiras, melões.”
Aldeias
indígenas: “peixinhos de moquém assados, batatas, carás, mangará.”
Espírito
Santo: capitania “rica de gado, laranjeiras, limeiras doces,cidreiras,cajus
(...)”
ALIMENTAÇÃO INDÍGENA
1650: mais de 600 nações –
diversidade de culturas, tipos raciais e línguas. Influenciou a culinária
mundial através do intercâmbio após o descobrimento: tomates, batatas,
mandioca, abacate, pimentas, pimentões, chocolate, guaraná, etc.
Amazônia e costa brasileira:
alimentação básica era a mandioca e os diferentes produtos dela retirados
(depois de raladas e espremidas) originavam os alimentos básicos das primitivas
populações brasileiras. Do líquido venenoso que resultava do prensamento (no
tipiti) fermentado ao sol e fervido, obtinha-se a manicuera ou o tucupi,
usado como caldo, com batata-doce, cará-roxo ou branco ou frutas, carnes e
peixes, etc.
A massa prensada era base dos
beijus assados no forno de argila. Do amido puro fazia-se o polvilho. O segundo
alimento básico era o peixe consumido moqueado (assado e defumado numa trempe
de madeira; carne de caça era alimento secundário). Na Amazônia eram
consumidos, ainda, lagartos, cobras, jacarés e todos os tipos de quelônios e
seus ovos, preparados de diversas formas. Outras fontes protéicas: insetos
(cupins, tanajuras, besouros e gafanhotos, etc.) A antropofagia era comum.
Outros alimentos secundários e
complementares: milho (mingaus, assado, cozido, etc.), batatas-doces,
carás-roxos e brancos, feijões, morangas, etc. As frutas eram abundantes:
abacaxi, ananás, abacate, matapi, ingá, jatobá, açaí, bananas, cajus, etc.
Bebidas fermentadas, muitas pela
saliva, originadas da mandioca, milho, etc. Chocolate, produzido com as
sementes de cacau, torradas e piladas; depois era tomado com água, amargo.
Temperos: pimentas variadas.
Antônio
José Souto Loureiro – membro do Instituto
Geográfico e Histórico do Amazonas.
CONTRIBUIÇÃO
PORTUGUESA
Influência decisiva na
gastronomia do Brasil. Lisboa tornara-se o centro da Europa: comia-se de
variados modos, com gostos exóticos.
Entretanto, a alimentação do povo continuava respeitando as tradições árabes e
os preconceitos religiosos. Comia-se peixe, mais do que carne (alimento para
privilegiados) acompanhado de arroz e cuscuz. Consumiam-se tripas e tutanos,
mariscos, pão, mel e queijos, doces.
No século XVII, a ligação de
Portugal com a Espanha refina a cozinha. Desta forma, o português trouxe para o Brasil modos de preparar, dosear,
confeccionar, temperar e conservar os alimentos, além dos utensílios, as horas
das refeições, a ordem dos pratos, os pesos e as medidas e os preconceitos.
A partir de 1570, com a abertura
do território aos colonos, principalmente nas regiões de Pernambuco, chegam,
também, os escravos negros. Os povoados transformam-se em portos e cidades; os
costumes alimentares são renovados com os novos produtos trazidos por
viajantes, particularmente da Índia. Eram comuns o uso e abuso de especiarias,
óleos, malaguetas e outros produtos exóticos, reutilizados e adaptados às
receitas inéditas. A maior parte dos
cozinheiros era serviçal europeu, ajudado por escravos, o que propiciou uma
troca interessantíssima.
À
medida que se desenvolvia a sociedade brasileira, cresciam as exigências
de melhor cozinha. Os conventos, com suas tradições doceiras – sonhos,
pão-de-ló, manjar branco, etc. -, as aldeias jesuítas com suas culturas e
regras alimentares, os quartéis com suas cozinhas de “rancho” e a
fixação de novos núcleos populacionais junto dos engenhos e das minas são
fatores de diversificação, através da apropriação de tipologias de cozinhas.
Aparecem novas formas de preparações: os caldos, as caldeiradas, os ensopados,
com uso de sal, de pimenta e outros condimentos.
O engenho, com o cultivo da
cana-de-açúcar, a fabricação de aguardente e de outros sub-produtos que serviam
para alimentar rebanhos e animais domésticos, permitia que o português
usufruísse alimentos que apreciava: a canja e o cabrito assado. Os portugueses
também conheciam a salga e secagem de carnes.
A gastronomia está ainda ligada à
mineração, que permitiu o desenvolvimento do comércio de importação e de
comercialização de alimentos, criando novos hábitos alimentares: o paio, o
presunto, o azeite, os queijos, as marmeladas, os vinhos, o vinagre e as
aguardentes vinícolas. Sempre que podia, o português praticava sua cozinha: uso do tomate, da
batata - base de sopas e companheira
indispensável do bacalhau cozido, assado ou em pastelinhos.
A culinária toma formas específicas
em cada uma das zonas do Brasil: nas roças e nas áreas de mineração. Numa,
preparar-se-iam novos alimentos como a canjica fria e grossa para os brancos e
outra para os negros, assim como cuscuz e pipocas, bolos e biscoitos. Noutra, a
base da alimentação assentar-se-ia nos
produtos importados, que criariam novos gostos e diferentes maneiras de
preparos.
Final do século XVIII: aumenta o cultivo do café.
Estabelecimento da Corte
Portuguesa no Brasil: culinária vai europeizar-se, pois os hábitos e segredos
gastronômicos da Corte rapidamente se difundiriam pelas camadas superiores.
Entretanto, nas cidades, os
botequins cozinhavam os pratos e as iguarias que o brasileiro recolhera nesse
longo processo de adaptação e de recriação, que poderiam ser denominados de
“cozinha de botequins”.
Carlos Consiglieri e Marília Abel
Investigadores na área de Gastronomia Patrimonial Portuguesa
AS DIETAS AFRICANAS
A cozinha regional que se formou
no Nordeste brasileiro – Recôncavo Baiano – também chamada cozinha baiana ou
“comida de azeite” (referência ao azeite de dendê), deu a cor e o gosto às
comidas afro-brasileiras e definiu a participação africana no sistema alimentar
brasileiro. As pimentas são, também, identificadoras desta “cozinha de azeite”.
Apesar de serem usadas pelos índios, foi a cozinha africana que as popularizou.
Vatapás, mocotós, carurus,
mingaus, pamonhas, canjicas, acarajés, abarás, arroz de coco, angus, pão-de-ló
de arroz eram comidas vendidas pelos escravos e libertos nas ruas da Bahia no
século XVIII, ao lado de alimentos tipicamente indígenas, e da doçaria de
origem portuguesa.
Os ritos religiosos dos africanos
restabeleciam as oferendas na forma de uma “cozinha dos deuses”. Nesse período
foram recriadas muitas das comidas cotidianas dos homens e dos santos. Esse foi
o tempo do cozinheiro e da cozinheira escravos, que reproduziam o cardápio
basicamente português, mas já substituindo, trocando ingredientes, colorindo os
ensopados com o vermelho do dendê, inventando variedades de moquecas; usando o
inhame, a banana cozida ou frita no azeite; recriando o caruru, o vatapá.
Pratos novos com um sabor antigo – que era o deles – e um gosto novo – que eles aprenderam.
Exemplos de comidas de santo: ebô
– milho branco cozido sem sal oferecido a Oxalá e, em dias de festas para
os membros da comunidade e visitantes, servido sobre uma folha e comido
naturalmente, sem colher. “Caruru de São Cosme” – feijão-fradinho,
camarão seco, quiabo, galinha, azeite-de-dendê.
Fora do candomblé, essa cozinha
africana (tanto nos ingredientes como nas técnicas de preparo) está presente
não só na comida cotidiana do povo, mas também nas celebrações e nas festas
populares, na hospitalidade a visitantes, nos almoços e nos restaurantes
turísticos.
Vivaldo da Costa Lima
Professor
Emérito da Universidade Federal da Bahia.
BIBLIOGRAFIA
CASCUDO, Luis da
Câmara. História da alimentação no Brasil. Vol.2. Belo Horizonte:
editora Itatiaia; São Paulo: editora da Universidade de São Paulo, 1983.
FERNANDES,
Caloca. Viagem gastronômica através do Brasil. 5a. ed – São
Paulo: Editora Estúdio Sonia Robatto,2003.
FLANDRIN, Jean –
Louis; MONTANARI, Massimo. História da alimentação. Editora Estação Liberdade, São Paulo, 1996.
LEAL, Maria Leonor
de Macedo Soares. A história da gastronomia. Editora Senac Nacional, Rio
de Janeiro, RJ, 1998.
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