segunda-feira, 22 de junho de 2015

HISTÓRICO DA GASTRONOMIA

Gastronomia: “arte de cozinhar de modo que se dê o maior prazer a quem come “. (Dicionário Aurélio).

Dize-me o que comes, e eu te direi quem és” - ditado popular.

A base da cultura dos povos inclui uma certa história da alimentação, que procura estabelecer as origens de determinados alimentos. Estudos e pesquisas sobre o cotidiano das pessoas em diferentes épocas têm proporcionado material interessante sobre os hábitos alimentares de diferentes povos, contradizendo afirmações tais como a origem chinesa das massas e a união das cozinhas italiana e francesa para dar  origem à cozinha clássica francesa.
Entretanto, não se pode afirmar ou provar a veracidade ou falsidade de determinadas origens de diversos alimentos; inegável é que o estudo das estruturas dos cotidianos dos povos permite visualizar seus hábitos alimentares, mostrando que as transformações que vêm ocorrendo desde tempos remotos estão intimamente relacionadas com outros fenômenos históricos.
·        Durante séculos, gregos e romanos da Antigüidade banquetearam-se deitados; entretanto, quando abandonaram essa posição, passando a comer sentados, puderam usar a  mão esquerda para empunhar facas para trinchar os grandes assados;
·         Tampouco foi por acaso que a individualização de pratos, copos e talheres ocorreu entre os séculos XIV e XVIII: a peste negra forçou o distanciamento entre os comensais para diminuir o contágio;
·        A repentina valorização dos legumes nos cardápios dos restaurantes, a diminuição das quantidades de molhos gordurosos, de manteiga ou de açúcar na cozinha e pastelaria está relacionada aos progressos da dietética;
·        Da mesma forma, não é  por mera fantasia que a maneira de preparar os mesmos alimentos difere de um povo para outro, mas em função de diferenças tecnológicas, econômicas e sociais entre esses mesmos povos.
·        Essas diferenças também determinam, muitas vezes, a adoção ou não de determinados alimentos por outros povos: sabe-se que não basta aclimatar determinado alimento a novo território para que os habitantes deste o adotem automaticamente.

Estudos e pesquisas dos últimos anos multiplicaram os pontos de vista até então existentes, construindo uma nova história da alimentação, e o resumo que se segue foi baseado em diferentes fontes e não pretende, de forma alguma, ser absoluto. A intenção é despertar o interesse dos alunos para uma pesquisa bibliográfica e histórica deste tema tão fascinante e universal, fator fundamental para a atividade turística.


PRÉ-HISTÓRIA

Os primeiros mamíferos semelhantes ao homem surgiram na Terra, segundo os cientistas, há cerca de 3,5 milhões de anos. Estes homens já caminhavam em dois pés, podendo utilizar as mãos livres para diversas tarefas, tais como retirar os grandes caracóis  das conchas, pegar os frutos das árvores, fabricar armas, redes de pesca, arcos e flechas, armadilhas, etc., ampliando sua dieta alimentar, deixando de ser somente vegetariano.

Esta transição de dieta vegetariana para dieta carnívora, teve sérias conseqüências na vida do homem: ele precisou se organizar em grupos, a fim de reunir esforços para atrair as presas para serem capturadas, esfoladas, esquartejadas e levadas até o local onde o grupo estava fixado e onde se reuniam para devorar as presas.

Com a dieta carnívora, o homem acostumou-se ao sal encontrado na carne que comia e passou a depender dele. Outra conseqüência da dieta carnívora foi o surgimento do canibalismo: grupos inteiros tornaram-se canibais porque ao faltar a carne de animais, lhes faltavam as proteínas da carne e eles não possuíam outras formas de consegui-las. Além disso, os rituais mágicos também utilizavam esta prática, pois os homens acreditavam que, ao comer os inimigos, suas qualidades estariam sendo transferidas para quem comia.

Descoberta do Fogo

esquentou , melhorou”. (provérbio popular).

A sabedoria popular diz que comida quente é mais substancial. Esta crença é bastante antiga e o fogo, mais antigo ainda. Há cerca de 1,5 milhão de anos ele começou a ser usado e foi fator decisivo para diferenciar o homem de outros animais.
Depois que o homem descobriu que, após os incêndios, a carne dos animais mudava de sabor, o fogo passou a ser utilizado para assar  a caça ou a pesca, diretamente sobre as  brasas, presa a um espeto.  Assim, o fogo foi o primeiro tempero descoberto pelo homem: o sabor de uma comida depende da temperatura em que ela é preparada e consumida.

Outro papel decisivo exercido pelo fogo foi na conservação das comidas – as técnicas mais antigas surgiram na Pré-história, quando o homem aprendeu que os alimentos crus se deterioravam no ar e  no calor, perdendo a pureza e as propriedades nutritivas.

A Agricultura e a Domesticação de Animais


Uma das descobertas mais importantes do homem pré-histórico foi o cultivo e a retirada de alimentos da terra.
A caça era um modo de vida muito precário, pois obrigava o caçador a andar quilômetros  para encontrar apenas o estritamente necessário para sua alimentação.  Além disso, como a população caçadora vinha crescendo, o alimento começou a escassear, exigindo que fosse encontrada uma nova forma de sobrevivência.
Diferentes grupos espalhados pelo mundo, aparentemente, descobriram ao mesmo tempo, uma resposta para esta questão: a semente, quando plantada, germinava e dava origem a uma nova planta que iria alimentá-los.
A partir desta descoberta, o homem passou a semear e colher trigo, milho, feijão, batata, mandioca, arroz e cevada. Estas atividades exigiram sua permanência junto à plantação, levando-o a montar acampamentos junto delas. Originava-se, neste momento, o camponês, que, ao vigiar o desenvolvimento dos grãos, passou a perceber a influência dos fenômenos meteorológicos sobre a terra: ao observar o sol, a lua e as estrelas, ele aprendeu sobre a melhor época para semear e colher, sobre a estação das chuvas e sobre as enchentes.

Esta ligação com o solo trouxe novos hábitos para o homem: instalação de mobiliários para dormir, sentar, comer e guardar alimentos nas moradias fixas. Novos instrumentos foram criados e outros aperfeiçoados. A troca de experiências entre os diversos grupos vizinhos fez surgir o comércio. As primeiras aldeias surgiram, dando origem, posteriormente, às cidades.
Os utensílios de cerâmica para armazenamento e conservação dos alimentos foram surgindo, permitindo uma maior variedade na alimentação  humana: possibilidade de ferver os líquidos e manter os sólidos em temperatura constante.
Iniciou-se, então, a culinária propriamente dita, com o cozimento dos alimentos condimentados com ervas e sementes aromáticas, visando melhorar e realçar o sabor.
O fogo era mantido sempre aceso, e a panela fervia continuamente com a caça misturada aos cereais, batatas, etc., originando  um caldo grosso que se tomava com pão, trigo, milho ou farinha. Esta é a origem do caldo substancial, indispensável e típica alimentação diária dos povos agricultores.
A cerâmica propiciou, então, a cocção e o caldo; este foi o precursor  de uma série de cozidos mais elaborados, tais como a sopa, papas, mingaus, pirões, purês, consommés e, também, de bebidas aquecidas que complementavam a alimentação ou se constituíam em alimento completo.
As bebidas eram consumidas na temperatura ambiente ou aquecidas.
Os alimentos líquidos propiciaram o surgimento da bebida fermentada, fabricada com raízes e servida quente, para fortalecer a resistência, tratar dos doentes ou utilizadas nos rituais de magia. Neste período, o vinho já era preparado, produzido com  frutas como framboesa, amora e cerejas silvestres.
Foi ainda na pré-história que o sal passou a ser extraído, tornando sua descoberta uma preciosidade para a gastronomia. Ao observar que as ardósias eram lambidas pelos animais, o homem descobriu o sal. (Só muito mais tarde é foi utilizado o al marinho).
O forno de barro compactado foi invenção, também, do homem pré-histórico, revelando sabores inesperados ao dar o ponto exato de assadura ao alimento.
A cozinha requintava-se com esta aparelhagem, dando origem às primeiras combinações de carnes, aves ou peixes.

IDADE ANTIGA

Os Povos dos Grandes Banquetes


4000 aC (ano da invenção da escrita) - século V dC (queda do Império Romano.) É neste período da história que Cristo nasceu, marcando o ano zero para os católicos.

Eu sou o pão da vida”.
Palavras de Cristo, segundo o Evangelho de São João, cap.6, vers. 35.

O pão, alimento cotidiano, começou a ser preparado na Idade Antiga, há mais de 2000 anos, pelos egípcios.
Foram eles que inventaram, também, a padaria artística, produzindo pães com os formatos mais diferentes. Foi neste período que surgiu o pão ázimo, sem fermento, produzido pelo povo hebreu, durante sua jornada de 40 anos pelo deserto, quando expulsos do Egito.
O pão foi o alimento sólido, de base, em todas as classes sociais da civilização ocidental, por vários séculos. Sua substituição pela carne foi fato mais recente, já que a carne era um produto muito caro e por isso, consumido somente nos dias de festa. Os egípcios consumiam além do pão, cebola, vinho, mel e um certo tipo de cerveja.
Mais tarde, ao estreitar relações com os povos vizinhos, a culinária egípcia foi se ampliando, passando a incluir aves, carnes, peixes, ostras, ovos e frutos variados.

Curiosidade: comer lentilhas na passagem de ano para atrair fartura, sorte e prosperidade para o ano novo, é uma simpatia do Egito Antigo.

Foi na Grécia Antiga que a arte de comer foi associada à arte de receber, promovendo um refinamento da cozinha. A comida era preparada por cozinheiros escravos, que adquiriam uma posição de destaque frente aos companheiros. Mais tarde, cozinhar  passou a ser responsabilidade dos padeiros, que se tornaram famosos produzindo pães  enriquecidos com sementes aromáticas, ervas, frutas e óleos vegetais. Com o tempo, estes padeiros tornaram-se chefes de cozinha, recebendo auxiliares no trabalho.
Por  muito tempo, o peixe foi o principal alimento dos gregos, devido à extensão de seu litoral e ao solo pouco fértil para a agricultura. Esta dieta era enriquecida com centeio, arroz, e aveia, e condimentada com sálvia, tomilho, alho-poró, cebolinha, alcaparra, raiz forte, orégão e coentro. Os ricos consumiam boi, carneiro, cabra e porco, e todos utilizavam a alface como calmante.
A pastelaria grega era à base de trigo, mel, azeite, pinhões, tâmaras, amêndoas e sementes de papoula, muito parecida ao que existe hoje no norte da África e nos países do Oriente. As bebidas mais consumidas eram o leite, vinho e misturas à base de mel.

A riqueza trouxe aos gregos hábitos exagerados de comer e beber. Quando os gregos e romanos se confrontaram em guerras de conquista, os princípios da culinária grega foram transmitidos aos romanos. Desse modo, o povo romano acabou criando uma cozinha variada e refinada, ultrapassando os gregos, mas conservando muitos hábitos relacionados às refeições e à hospitalidade.
Seus jantares eram divididos geralmente em duas partes:

1a: dedicada à refeição propriamente dita, sendo feita em mesas retangulares e baixas, onde os convivas comiam  em silêncio. Todos os alimentos eram colocados ao mesmo tempo sobre a mesa e os comensais escolhiam o que queriam comer. Os criados colocavam-se à disposição para passar os pratos, não para servir a mesa.
2a: término da refeição – as  mesas eram trocadas por outras menores e redondas, e começava a segunda parte do jantar, chamada pelos gregos de simpósio – todos bebiam vinho e comiam frutas frescas e secas, nozes e azeitonas. Havia música, dança, canto, acrobacia, jogos e muita conversa; as mulheres jamais compareciam a estes encontros.

O simpósio começava com o derramamento de um pouco de vinho para o deus Dionísio, para que os convidados fossem protegidos; a seguir, o líder do encontro era escolhido e este decidia qual seria o tema da conversa, a ordem das falas, o lugar dos participantes nos sofás, quantos copos de vinho cada um poderia beber e a quantidade de água a ser colocada no vinho. (Na Grécia Antiga só não se misturava água ao vinho que era tomado no desjejum, que consistia de pão cortado e embebido em vinho.)

Assim, comer e beber antes de discutir questões importantes é uma prática conservada até nossos dias por executivos, que fecham grandes negócios em almoços e jantares.

A conquista de novas terras pelos romanos trouxe novos prisioneiros, que passaram a fazer quase todos os trabalhos domésticos, inclusive os culinários. O aumento da riqueza de Roma trouxe excessos à mesa, dando origem aos famosos banquetes romanos.

Nesses banquetes, exigia-se que os convidados fossem pontuais, pois não se esperava pelos atrasados. Quando chegavam, eles trocavam a roupa por uma mais leve, os sapatos pelas sandálias e depois se lavavam, como um dever religioso, para se purificarem.

Os cozinheiros desses freqüentes banquetes em Roma eram pessoas muito importantes, reconhecidas como artistas e que eram regiamente pagas; ter um desses cozinheiros passou a ser símbolo de ascensão social – começou aí a figura do chef de cozinha.

Nos banquetes romanos os excessos foram aumentando em tempo e quantidade de alimentos; foram introduzidos os vomitórios, para possibilitar a continuidade de excessos à mesa. Isto foi, sem dúvida, o início da decadência gastronômica entre os romanos, onde a quantidade passou a ter mais importância que a qualidade.

Nas mesas nobres romanas era normal aparecer frangos, patos, gansos, galinhas d’angola, codornas, perdizes, peixes, rãs, mexilhões, ostras; cerejas, abricó, limão, melão, etc; enquanto isso, os pobres comiam basicamente uma espécie de polenta feita com cereais ou com farinha de grão-de-bico.

Curiosidade: os romanos alimentavam os porcos com figos, obtendo assim, uma carne de sabor todo especial para o preparo de frios.

Tanto os romanos quanto os gregos eram especialistas em picadinhos, almôndegas e croquetes; a explicação para esta preferência pode ser o fato de que eles comiam em posição reclinada.
O leite coalhado, principalmente o de cabra, também era muito apreciado. O leite de vaca era pouco usado, sendo reservado para os bezerros, para os sacrifícios fúnebres e as oferendas aos deuses. O leite das burras servia para animar crianças débeis, e tuberculosos, hábito ainda hoje presente no Brasil sertanejo.

Em Roma, nas cerimônias de casamento, as noivas comiam um pão especial para a ocasião, significando vida em comum, novas responsabilidades que se iniciavam. Do mesmo modo, as noivas gregas usavam pão, frutos secos e bolo. Vem desse costume grego e romano o bolo de casamento dos dias atuais, o qual é partido pela noiva como primeiro ato da sua nova condição de casada.

A política de conquista empreendida pelo Império Romano permitiu o contato com outros povos, culturas, hábitos alimentares e produtos, tornando a cozinha romana refinada e variada.

Depois de 200 anos de estabilidade e prosperidade, já no século III,  grave  crise econômica, social e política tomaram  conta de todo o Império Romano e as conquistas chegaram ao fim. Com a decadência e o fim da antiga moral, os vários povos que viviam fora das fronteiras do império foram atraídos pelas riquezas, e em busca de terras para agricultura e pastoreio, foram entrando e se estabelecendo em várias áreas do Império Romano. Eram os chamados povos bárbaros, que com suas línguas e costumes acabaram organizando verdadeiros reinos e ao deporem o imperador romano no ano de 476, marcaram o fim do Império Romano e o fim da Idade Antiga. Durante séculos, a arte da mesa quase desapareceu.

IDADE MÉDIA  (VI – XIV) TRADIÇÃO GASTRONÔMICA DOS MOSTEIROS.

“Noé foi o primeiro agricultor. Plantou uma vinha e tomou o vinho dela, embriagou-se e encontrou-se nu no interior de sua tenda”.
(primeira referência que a Bíblia faz ao vinho. Livro do Gênesis, capítulo 9, versículos 20 e 21.)

O vinho já era produzido por vários povos da Antiguidade. Porém, foi nos mosteiros da Idade Média que suas qualidades foram aprimoradas com o desenvolvimento de videiras nobres. Era utilizado na eucaristia e nas mesas dos monges e seus hóspedes.

Com a invasão do Império Romano pelos povos bárbaros, no início da Idade Média, a população das cidades fugiu para as fazendas, onde recebia alimento, agasalho e proteção em troca de trabalho e obediência. Depois de saquearem as cidades, os bárbaros também foram se fixar nos campos, já que eram agricultores e pastores. As cidades foram desaparecendo, o comércio escasseou e a  moeda deixou de circular, porque perdeu sua razão de ser. A vida no campo passou a ser mais importante do que na cidade.

Os mil anos  da Idade Média foram marcados por grandes tempestades, invernos rigorosos, epidemias, muita ignorância e medo resultante dessa ignorância. As diferenças sociais e políticas eram enormes: existiam o rico e o miserável; o senhor e o servo; quem tinha o poder político e religioso e quem era dominado por esse poder. A média de idade das pessoas era de 34 anos, pois não havia alimentação suficiente e o conhecimento sobre remédios, ervas e plantas era precário.

A Igreja da Idade Média era muito poderosa, dona de grandes extensões de terras doadas pelos nobres. Os mosteiros eram importantes centros de cultura e se multiplicaram bastante neste período, chegando a quase 2000 no século XII, somente na Europa.

Esses mosteiros medievais pertenciam a ordens religiosas como os beneditinos, franciscanos ou cistercienses, os quais desenvolveram a arte da cozinha e desempenharam importante papel na gastronomia. Os monges herdaram os conhecimentos da cozinha romana e transmitiram toda a tradição culinária para outros povos do ocidente; além disso, foram os responsáveis por mudanças importantes na cozinha da Idade Média, simplificando a preparação dos alimentos e enriquecendo a qualidade dos produtos. Eles mantiveram fazendas-modelo, reavivando a agricultura e a produção sistemática de alimentos, cultivando e desenvolvendo a jardinagem, levando legumes e frutas de volta para as mesas. Exploraram minas de sal, praticaram a pecuária, curtiram o couro e aprimoraram a conservação dos alimentos. Também fabricavam o pão, já que as padarias só existiam nos mosteiros, conventos e castelos dos grandes senhores.
Os mosteiros medievais serviam de armazéns de alimentos para os habitantes das redondezas e ofereciam hospedagem aos viajantes, sempre com mesa farta.

O peixe foi um alimento muito valorizado na Idade Média: era barato, popular e a base da dieta dos cristãos, já que eles não comiam carne em vários dias do ano.

A cozinha da Idade Média apresentava mais luxo do que sabedoria, já que os ingredientes eram simplesmente justapostos, sem preocupação com a combinação – o que importava era a apresentação dos pratos e não como eram preparados os alimentos.
O gosto e o uso dos temperos e especiarias era exagerado: havia pimentas de várias espécies, noz-moscada, gengibre, canela, cravo, sementes de girassol, cominho, hortelã, cebolinha, anis e açafrão, que era um dos ingredientes culinários mais caros da época.

As Cruzadas, expedições militares e religiosas organizadas para ocupar Jerusalém, a terra onde Jesus viveu e que estava em poder dos muçulmanos, seguidores de Maomé, proporcionou o intercâmbio entre esses povos, propiciando o surgimento de uma culinária muito rica na Europa.

Nos festins da Idade Média, as refeições iniciavam-se com frutas frescas; depois eram servidos diversos tipos de carne de caça e de aves e, entre um prato e outro, serviam-se salgadinhos e doces. Comer muito e com voracidade era vício comum: as carnes eram cortadas com o próprio punhal e comidas com as mãos; os restos eram atirados ao chão para serem comidos pelos cães.
O preparo da salsicha, do vinagre e da mostarda progrediu; a caldeirada de lebre, o feijão com carneiro e as alcachofras começaram a se propagar. Um dos pratos mais apreciados era a caldeirada de peixes de água doce, que antes eram apenas assados na brasa. Outros alimentos freqüentes nas mesas dos mais ricos eram o carneiro, tâmaras, e outras frutas secas. Berinjelas, coalhadas e melões eram também apreciados.

O café, doce e forte, era bastante popular entre os árabes muçulmanos, já que o vinho era proibido por  sua religião – o Islamismo; por isso, o café é conhecido entre eles como o vinho do Islã.
Os orientais da Idade  Média usavam o vinagre para preparar conservas, principalmente de pepino, pimentão, cebola e aspargo; faziam geléias de pétalas de rosas, de violetas e de frutas, assim como bolos e doces com amêndoas e mel, e o nougat, uma massa doce folheada. Utilizavam a técnica de destilação de bebidas, que permitiu mais tarde o preparo de aguardentes e vinhos fortificados, como o vinho do Porto e o Jerez.

Uma massa de farinha de trigo ou de soja já era preparada na época, pelos chineses, que deu origem, segundo alguns autores, aos talharins e espaguetes.
Curiosidade: contam  que Marco Pólo sentiu repugnância quando os chineses lhe ofereceram um amontoado de tirinhas de massa cozida e temperada com gordura de peixe; porém , para não ser rude, ele acabou comendo e apreciou tanto que levou a receita para a Itália, onde as tirinhas se transformaram no  prato nacional do país.

Quase nada se escreveu sobre a evolução da gastronomia e os prazeres da mesa durante a Idade Média. Somente no século XIV é que surgiu uma obra simples e reduzida, chamada Le Ménagier de Paris, que reunia tudo que havia de bom-comer naquela época.


IDADE MODERNA – ÉPOCA DAS GRANDES INVENÇÕES

A Idade Moderna tem início no século XV e vai até o século XVIII, quando ocorreu a Revolução Francesa, em 1789.

Embora a faca e a colher  fossem utilizadas pelo homem desde a Pré-história, comer com as mãos era o protocolo no século XV.
(O garfo servia somente para fixar o alimento, não para levá-lo à boca.)

No início da Idade Moderna, as aventuras marítimas dos portugueses e espanhóis trouxeram grandes conseqüências para a gastronomia. Além disso, o Renascimento surgiu na Itália e foi marcado pela liberação dos prazeres, dentre os quais se encontravam os prazeres gastronômicos.

A grande Viagem da Cozinha e seu Refinamento.

As grandes navegações permitiram a descoberta de novos mercados de especiarias a preços mais acessíveis; além disso, provocaram um grande intercâmbio entre os povos no que diz respeito a sementes, raízes e cereais.
Os diversos povos aprenderam e ensinaram a preparar um alimento de maneiras diferentes, o uso de novos temperos, a combinação de diversos sabores e o cultivo dos mais variados produtos – o resultado foi uma troca muito saudável de alimentos e receitas.

Exemplos:

Os portugueses levaram do Brasil para a Ásia: milho, agrião, mandioca, batata-doce, repolho, pimentão, abacaxi, goiaba, caju, maracujá, mamão e tabaco
Da Ásia para o Brasil: cana-de-açúcar, arroz, laranja, manga, tangerina, chá, lírios, rosas, crisântemos, camélias e porcelana.
Da África para o Novo Mundo: banana, inhame, pimenta malagueta, erva-doce, quiabo, galinha d’angola e a palmeira de dendê, melancia e coco.
Da América para a África: farinha de mandioca, caju, peru, amendoim.
Da América para a Europa: batata, diversos tipos de feijão, abóbora, amendoim, pimentão, cacau, baunilha e abacate.

O açúcar, caro porque era importado do Oriente, tornou-se mais acessível e foi substituindo o mel, porque se adaptava melhor ao uso culinário; dessa maneira, acabou influenciando bastante os hábitos das populações que o cultivavam.
O chocolate foi outra importante contribuição do intercâmbio de alimentos, que começou a ser produzido pelos espanhóis, a partir do cacau levado da América. Pouco tempo depois, servido quente e com creme, o chocolate tornou-se bebida de reis e nobres.

Enquanto tudo isso acontecia, a cozinha européia se tornava mais elegante e simples, em nítido contraste com a ostentação  dos banquetes da Idade Média.
O refinamento da sociedade refletia-se nos hábitos à mesa, com as boas maneiras sendo observadas, com o uso do garfo e guardanapo e no hábito de se lavar as mãos antes de comer.

Os temperos eram usados com maior moderação, enquanto que os aromáticos não respeitavam ensopados, massas ou bebidas: foram acrescentados às aguardentes, para melhorar o gosto que era ruim – nasciam assim os primeiros licores, que eram feitos à base de pétalas de rosa ou de violeta, flores de laranjeira, essência de anis, angélica, alecrim e frutas.

O Renascimento foi também a época  das guloseimas, sendo os italianos e ingleses os inovadores na preparação de geléias, compotas e doces de frutas.

No século XVI a cozinha francesa sofreu grande influência dos italianos, segundo alguns autores. O casamento de Catarina de Médici, da Itália, com Henrique II, de França, trouxe na comitiva da noiva grandes pasteleiros e chefs de cozinha italianos, considerados os melhores do mundo e que ensinaram aos franceses muitas das receitas que hoje fazem parte de sua culinária.
Em Paris passou-se a sair para jantar nos cabarés, que se tornaram local de encontro de artistas e escritores.

Na Europa existiam os hotéis e tabernas com uma table d’hôte, que é um cardápio servido em hora determinada, e pelo qual se paga um valor fixo por cabeça.
Uma dessas tabernas foi o la Tour D’Argent, um albergue-taberna de alto nível, fundado no século XVI e que hoje é um dos restaurantes mais famosos do mundo.

Na Inglaterra a cozinha teve uma evolução mais lenta. Na mesa da Rainha Elizabeth I observava-se uma grande variedade de alimentos, destacando-se os melões, passas, queijos importados e laranjas. Os doces ocupavam lugar de destaque nas festas e banquetes.

Luis XIII, rei de França, era exímio cozinheiro na preparação de omeletes, bolos e doces. Foi ele quem começou a buscar uma ordem na apresentação dos pratos, na tentativa de evitar os grandes desperdícios ocorridos até então.
Porém, foi só no final do século XVII, já com Luis XIV no poder, que deixaram de colocar todos os pratos ao mesmo tempo na mesa, para  os convidados escolherem. Cada serviço, que era composto de mais de um prato, passou a vir separadamente para a mesa, observando uma certa ordem: primeiro as sopas, depois as entradas, os assados, as saladas e as sobremesas. Os doces passaram a fazer parte das refeições diárias e não somente nos dias de festa.
O sorvete revolucionou a sobremesa da época, tornando-se popular na França.

Curiosidade: nessa época, os talheres eram considerados objetos de uso pessoal e cada um tinha o seu próprio estojo, levado no bolso para o caso do anfitrião não ter talheres suficientes para os convidados.

Chefs de cozinha famosos: La Varenne, que desenvolveu os primeiros molhos verdadeiramente franceses; Vatel, que se suicidou, segundo se conta, por não ter alimento suficiente para o rei e sua comitiva.

Ao descobrir o café, levado de presente para o rei, os franceses passaram a bebê-lo regularmente nos fins de tarde, e as casas de café se espalharam rapidamente por Paris; nestes locais eram servidos também o chá e o chocolate. Nestes cafés refeições ligeiras eram servidas, mas não se pode considerá-los como restaurantes.

Neste período apareceu a mistura de frutas e açúcar nos pratos salgados e foi ainda nesta época que chegou o grande fogão de cozinha, de doze a vinte bocas, para substituir o fogão de lenha e o braseiro de carvão.

Outra novidade para a gastronomia: o Champagne, produzido a partir de uma técnica especial criada pelo abade Dom Pérignon.
Foi no decorrer do século XVII que os costumes franceses começaram a se espalhar por outros países da Europa.

Portugal sofreu influência da França na etiqueta, refletindo-se nos arranjos, decoração e nas iguarias de sua mesa, o que não tardou a entrar no Brasil.
Neste período, surge em Paris o primeiro restaurante propriamente dito: um pequeno estabelecimento aberto por Boulanger e que vendia apenas sopas. O termo restaurante teria surgido dessas sopas quentes que ele dizia serem restaurativas  (restaurants).
Pouco mais tarde foi aberto, também em Paris, o primeiro restaurante de luxo: era o La Grande Taverne de Londres, nome inspirado numa peça de Shakespeare. Freqüentado pela aristocracia, oferecia um serviço à la carte, com uma longa lista de pratos para o cliente escolher, com destaque para os assados e as saladas. Seu proprietário, Beuavilliers, escreveu a Arte de Cozinhar, uma obra prima da gastronomia.

A Revolução Francesa marca o fim do período. Durante o período revolucionário, os cozinheiros e a boa mesa da França foram colocados de lado, devido à situação crítica vivida pelo país.

IDADE CONTEMPORÂNEA

A Idade Contemporânea é  o período da história que se segue à Idade Moderna: ela começa em 1789, ano da Revolução Francesa e vai até os dias atuais.

Napoleão Bonaparte, imperador da França e um dos destaques do período, preocupado com a boa alimentação do seu exército, ofereceu um prêmio vultoso a quem criasse uma técnica para  conservar alimentos por longo tempo; assim, surgiu a conserva em vidros, que evoluiu para os enlatados, dando enorme contribuição à indústria de alimentos.

Depois de Napoleão Bonaparte, a França viveu um período chamado de Restauração, durante o qual dois reis governaram: Luis XVIII, amante de refeições demoradas e abundantes e o rei Carlos X, seu irmão e sucessor, um grande caçador e gourmet.

Cozinha Burguesa


Depois de perderem seus empregos nos palácios devido à revolução, os grandes chefs e cozinheiros foram trabalhar nos restaurantes de  Paris ou abriram seus próprios negócios. Assim, cada restaurante francês, desde o mais simples até o mais sofisticado, passou a ter um homem que desenvolvia os prazeres da boa mesa, com sofisticação e arte, o que levou a cozinha francesa a evoluir tanto.

Tudo isso e o fortalecimento da classe média após a Revolução Francesa, fizeram surgir a cozinha burguesa, que misturava os aromas do campo com a elegância da alta gastronomia; combinou-se a cozinha da terra com a de laboratório, a profissional com a amadora, a provinciana com a internacional – uma combinação perfeita dos bons velhos tempos com a inovação das receitas inéditas.

Destaques do período:
§         Grimod de la Reynière, gastrônomo profissional, que implantou um serviço conhecido por nós como serviço à francesa;
§         Marie-Antoine Carême, considerado o maior cozinheiro francês de todos os tempos, enfatizava três pontos principais: delicadeza, ordem e economia.

Nessa mesma época, Nova Iorque tornou-se o segundo maior centro gastronômico do mundo, enquanto a Inglaterra vivia anos de fome, com salários baixos e uma miséria crescente. A praga destruía plantações de batatas gerando crises de fome na população menos privilegiada, enquanto as classes dominantes procuravam seguir os gostos e costumes da Rainha Vitória. Surgia o estilo vitoriano, com objetos em excesso, para mostrar luxo e riqueza; altos candelabros ornamentavam as mesas, os guardanapos dobrados em forma de pássaros, leques ou flores. O jantar passou a ser servido cada vez mais tarde para manter-se a elegância e, assim, o chá da tarde se tornou uma refeição, com muitos bolos e tortas para acompanhamento.

Enquanto isso, as cozinhas francesas estavam sendo equipadas com fogões de ferro fundido, aquecidos com carvão vegetal e, mais tarde, com geladeiras.
No final do século XIX, Paris vivia em grande prosperidade, com muitos cafés, restaurantes, cervejarias e comércio de vinho; foi inaugurado o Maxim’s , que atualmente conta com filiais em várias cidades do mundo e também foi inaugurada a Le Cordon Bleu, primeira escola destinada ao ensino da cozinha francesa para as filhas das famílias ricas e que até hoje conta com filiais em várias cidades.

Cozinha Internacional


No século XX a evolução dos meios de transporte e de conservação de alimentos possibilitou que receitas francesas e produtos de sua cozinha fossem importados por diversos países. Além disso, grandes chefs franceses viajando pelo mundo para ministrar cursos e abrindo filiais de seus restaurantes ao redor do mundo, permitiram que a cozinha francesa fosse incorporada às cozinhas de outros países, fazendo surgir a cozinha internacional.

Na cozinha internacional, grandes chefs usam seus conhecimentos gastronômicos e sua criatividade para adaptar pratos de diferentes regiões, de modo a criar pratos novos e originais, utilizando os ingredientes locais. É uma cozinha voltada muito mais para a inovação, porém sem se afastar dos aspectos regionais, o que facilita  a alimentação dos viajantes, turistas ou não, que sabem que nela poderão encontrar pratos de sabor que eles conhecem bem – isso facilita a comunicação e a compreensão entre os povos, fazendo a cozinha internacional ser muito bem aceita pela maioria das pessoas.

A Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918) mudou a geopolítica do mundo: a Europa perdeu sua superioridade para os Estados Unidos da América. Os materiais de cozinha sofreram um grande aperfeiçoamento, e o gás e a eletricidade entraram na cozinha. Estas mudanças, aliadas ao aperfeiçoamento dos meios de transporte, ao desenvolvimento da indústria de alimentos e as novas técnicas de conservação trouxeram mudanças significativas nos hábitos alimentares de europeus e americanos.

Nos Estados Unidos as refeições fast-food e self-service tornaram-se populares; as cadeias de restaurantes cresceram muito e a indústria de alimentos passou a empregar grande parcela da população. Os hábitos alimentares dos americanos logo chegaram à Europa  e a França incorporou o estilo americano de refeições rápidas e mais baratas; também surgiram as grandes cadeias de hotéis em estilo americano (Hilton Internacional e a Intercontinental), onde chefs famosos criavam sobre a cozinha regional.

Na segunda metade do século XX surgiu um movimento chamado nouvelle cuisine – cozinha nova, onde chefs e gastrônomos passaram a defender uma culinária que realçasse mais o sabor natural dos alimentos; de acordo com alguns autores, essa nova cozinha está diretamente relacionada ao progresso da dietética, que busca preservar as vitaminas e minerais dos alimentos.


nouvelle cuisine está hoje em vários países do mundo; ela valoriza pratos em que os alimentos têm cozimento rápido, para deixar cada um deles mais definido e destacado. Não há excesso de temperos e os molhos são mais leves e menos gordurosos; a apresentação  dos pratos deve valorizar as cores dos alimentos, harmonizando-os para agradar olhos, olfato e gosto. Acima de tudo, a técnica é valorizada, pois somente o conhecimento pode fazer com que o alimento seja trabalhado sem perder seu sabor natural.

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